As crianças habitam um momento da
vida de todas as pessoas denominada Infância. Em cada momento da história da
humanidade a Infância e as crianças foram entendidas de formas distintas: em
alguns momentos com maior visibilidade quanto às suas características e, em
outros, com certa invisibilidade.
Nos tempos atuais, após muitas
conquistas de diferentes setores da sociedade, como a educação, a área social,
de direitos da criança, movimentos sociais e também com o envolvimento de
famílias, as crianças passaram a ser entendidas enquanto atores sociais e
sujeitos de direitos.
No entanto, algumas conquistas
ainda estão em curso mediante o entendimento de que não há somente uma infância
e um padrão de criança, mas sim infâncias e crianças plurais que precisam ser
consideradas nas suas diferenças e semelhanças. Ocorre que o mundo adulto,
muitas vezes, não considera a criança enquanto uma pessoa que tem direito a ser
considerada em decisões que a envolvem, pois ainda não a vê enquanto sujeito,
mas sim, como objeto. Dessa forma, as crianças muitas vezes têm seus direitos
negados ou até violados.
Na contemporaneidade já é
possível perceber que vivemos um encurtamento desse momento tão especial da
vida do ser humano, um momento de intensas descobertas e altamente
significativo no desenvolvimento integral das crianças. Cada vez mais cedo são
colocadas sobre as crianças expectativas dos adultos e que tem pouca relação
com os desejos e interesses infantis, tais como a alfabetização precoce, o
desenvolvimento de talentos artísticos e o aprendizado de uma língua
estrangeira. Assim, muitas crianças, são submetidas à intensas rotinas de
estudo e atividades extras tipicamente adultas, em detrimento aos momentos de
vivenciar o seu tempo de ser criança, do brincar e interagir com seus pares.
Para que se possa avançar e
contribuir nesse debate, o brincar precisa ser entendido enquanto um direito
indiscutível e garantido a todas as crianças em dispositivos legais
internacionais e nacionais como a Convenção Internacional de Direitos de 1989 e
o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Segundo o artigo 31 da
Convenção, todas as crianças têm direito ao descanso, ao lazer, ao divertimento
e às atividades recreativas próprias de cada idade. O Brasil, enquanto país
signatário da Convenção, precisa garantir que esse direito seja reconhecido e
garantido a todas as crianças brasileiras, em condições de igualdade. A
sociedade brasileira já tem avançado e reconhecido o seu profundo compromisso
com essa causa, por meio de movimentos que já impactam políticas públicas
voltadas às crianças.
O brincar, enquanto a atividade
principal da criança é a essência de ser criança e das Infâncias. Por meio do
brincar, nas suas mais variadas formas e em diferentes contextos onde vivem as
crianças, elas se expressam, interagem, se socializam, ampliam seu potencial,
fazem descobertas, inventam novas possibilidades, observam atentamente como as
outras crianças brincam, inventam e reinventam os modos de brincar, ou seja,
aprendem contínua e significativamente, criando e recriando culturas infantis.
Desse modo, é fundamental que os
adultos ressignifiquem o seu olhar para esse direito e reflitam sobre sua
postura diante das crianças e das escolhas que fazem na tentativa de ver a
criança cada vez mais ocupada. Da parte das crianças há um sentimento de perda
da infância, quando as mesmas verbalizam que gostariam de ter mais tempo para
brincar e que os momentos que mais gostam na escola é o recreio e as atividades
onde o lúdico e o movimento são privilegiados. As crianças sofrem com a falta
desse momento tão peculiar nas suas vidas e demonstram isso por meio de atitudes
preocupantes, como quando começam apresentar desinteresse pelos estudos,
apatia, cansaço e certa preferência por jogos eletrônicos e programação
televisiva em excesso. Pesquisas indicam que as crianças brasileiras ficam, em
média, 4 horas diárias expostas à televisão, dado preocupante e que pode
impactar significativamente o desenvolvimento infantil.
Atualmente, e cada vez mais, a
cultura do consumo se fortalece devido ao empoderamento econômico das pessoas e
as crianças são vistas pela publicidade como alguém com forte potencial para
influenciar as escolhas das famílias. Assim, a estratégia de relacionar muitos
produtos com personagens infantis e com o brincar já demonstra resultados bem
sucedidos. É preciso que os adultos repensem suas escolhas e reflitam junto das
crianças sobre alternativas de brinquedos que não tenham o consumo como
objetivo.
Outro elemento bastante visível
no mundo atual é a mudança nas formas do brincar e na característica dos
brinquedos, em certa medida, consequência do avanço da tecnologia que seduz
cada vez mais as crianças em preferir brinquedos estruturados e equipamentos eletrônicos
como o computador e o videogame. Ao ficar somente com essas opções, observa-se
uma crescente falta de interação entre as crianças, o desinteresse das mesmas
por brinquedos tradicionais e que não têm muitos recursos e a existência de
brinquedos que podem trazer uma ideia estereotipada do que são brincadeiras
para meninos e meninas, pautados em modelos de cores e de pessoas (em geral
bonecas de pele branca com cabelos louros…).
Nesse sentido, entende-se que o
papel da família e da escola é o de aprofundar esse debate, na busca de outras
formas de organização dos tempos para o brincar, com momentos amplos e livres,
onde as crianças interajam entre si e com os adultos, optando por brinquedos
com propostas mais atrativas às crianças e incentivando o contato e interesse
por materiais diversos como panos, embalagens coloridas, cordas e materiais
naturais como areia, água, argila…
Viver a(s) Infância(s) e ser
feliz implica em ter mais momentos para brincar sozinho ou com seus pares,
brincar por inteiro, corporalmente e emocionalmente, vivenciando novas
experiências, o faz-de-conta, o seu imaginário e sentindo-se livre para criar.
Criança que brinca é mais feliz e, certamente, será um adulto melhor!
Por Soeli Terezinha Pereira
outubro 23, 2012 por Fundação Abrinq
Soeli Terezinha Pereira é
pedagoga e assessora educacional da Rede Marista de Solidariedade, Grupo
Marista. Atua com projetos da área Educacional e no acompanhamento dos
processos de gestão, pedagógicos e de formação em Unidades Educacionais e
Sociais que compõem a Rede, com foco na Infância e na Educação Infantil. É uma
das organizadoras do livro “Educação Infantil: Reflexões e práticas para a
produção de sentidos” (Editora Universitária Champagnat, 2012).
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